Projetos
CasaCor Brasília 2024
Morada 11.11
O tema sobre ancestralidade da edição 2024 da CasaCor Brasília nos estimulou a fazer um mergulho profundo em nossas raízes e no encontro das respostas para o “porque fazemos o que fazemos”.
Sendo minha estreia na mostra, a convite do Grupo Arco, procurei resgatar memórias que me fizeram entender a minha escolha pela arquitetura como estilo de vida. Quando pequena, em férias pela Bahia, especificamente em Salvador, estava quase sempre rodeada de muita arte, cultura e música, em ambientes de conversas despretensiosas com artistas e intelectuais expoentes, que me fizeram descobrir nesse ambiente cultural vibrante no qual cresci, diversas referências que me inspiraram.
Nasci em Brasília em 1976 e sou filha de uma baiana e de um carioca. As férias eram, portanto, divididas entre o Rio de Janeiro e Salvador, a cidade natal de minha mãe. Foi em Salvador, porém, que desenvolvi o olhar para as artes e a arquitetura. Frequentadora assídua das férias na casa de meus tios-avós Jenner Augusto* e Luíza Silveira, no bairro Rio Vermelho, em Salvador, descobri a minha vocação entre muitos quadros e esculturas de Jenner Augusto, treliças, azulejos, um jardim no estilo Burle Marx e uma piscina com formato orgânico (uma ousadia para época e que sempre me fascinou).
Local de encontro para saraus e bate-papos entre várias personalidades conhecidas como Carybé, Mário Cravo Júnior, Jorge Amado e Caymmi, dentre outros, foi palco para inúmeras conversas e divergências sobre o Regionalismo e baianidade em contraposição à arquitetura moderna proposta por Le Corbusier e Niemeyer. Enquanto os artistas baianos apegados a tradição de suas obras que evocavam santos, baianas e orixás procuravam manter essa tradição, a arquitetura importada ganhava força nas elites.
De forma a integrar essas dicotomias, Jenner Augusto foi imortalizado junto a essa arquitetura moderna pintando diversos painéis de azulejos em prédios públicos de Aracaju e Salvador, sendo valorizado e reconhecido a partir da década de 60, mundialmente. Conhecido pelo cuidado com a pureza das cores de seus quadros, a representação marcante do céu que o inspirava e pela contribuição social que teve com a representação belíssima através de suas pinturas de bairros menos favorecidos da Bahia e de Aracaju, Jenner e minha vivência em sua casa foram a minha maior inspiração para esse projeto.
Assim como o nome do escritório – Morada 31.12 – leva a data do meu aniversário, e tornou-se marca registrada dos projetos que realizo para clientes, que podem escolher o seu próprio número afetivo, o ambiente ganhou o nome de “Morada 11.11” em homenagem à Jenner Augusto, que faria 100 anos em 11/11/2024. Nesse ambiente de 130m2 pude retratar a minha perspectiva sobre elementos de design de época mesclados com os da atualidade, dessa “casa ateliê”, como se hoje, após uma atualização e modernização, ela ainda pudesse transmitir aos visitantes as referências e emoções de uma época que modificou a arquitetura e a nossa percepção sobre como a arte está impregnada em nossas raízes e nas nossas casas.
Parte do acervo presente no ambiente são da minha família, outros de colecionadores como o galerista Mário Britto. Entre personalidades que colecionavam suas obras estão o artista Roberto Carlos e Adolpho Bloch, fundador da Revista Manchete. A planta do ambiente privilegiou a integração total, demarcando os espaços com elementos arquitetônicos típicos do Brasil, como a treliça. Tons naturais da madeira, do mármore e dos estofados receberam tons vibrantes presentes nas obras de arte e fotografias assinadas por mestres brasileiros. O uso de materiais naturais simples, como a lajota de adobe, em contraponto ao mármore Travertino, faz esse jogo entre o antigo e o contemporâneo, também presente na escolha de mobiliário modernista com peças atuais nacionais. A iluminação intimista emoldurou o ambiente, tornando-o acolhedor e elegante. Mas o que mais se destacou foi a identidade e personalidade. “Desenvolvi um azulejo exclusivo para a Morada 11.11, que expressa a minha paixão pelo que trazemos como bagagem de vida e transformamos em memórias no presente”.
*Jenner Augusto da Silveira
(Aracaju/SE 1924 – Salvador/BA 2003)
Pintor, cartazista, ilustrador, desenhista, gravador e escultor
SMAS trecho 03 bloco A sala 210 – Asa Sul - Brasília - DF